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ARBITRAGEM NO CONTRATO DE SEGURO

J. E. Carreira Alvim

 

ARBITRAGEM NO CONTRATO DE SEGURO

 

 

J.E. Carreira Alvim[1] – Doutor em Direito pela UFMG; membro do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudos Jurídicos (IPEJ-RJ); membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP); professor de Direito Processual Civil da UFRJ; coordenador do Curso de Mestrado da Universidade Iguaçu (UNIG).

 

 

Sumário:  1. Introdução.  2. Natureza do contrato de seguro.  3. Seguro de dano e seguro de pessoa. 4. Arbitragem e contrato de seguro.  5. Ação judicial e justiça estatal.  6. Contrato de seguro e cláusula compromissória.  7. Considerações finais.

 

 

  1. Introdução

 

Num sistema de justiça estatal, em que o ingresso em juízo é fato previsível, mas a saída é tão imprevisível quanto inusitada, ninguém se anima a buscar as vias judiciais, em circunstâncias em que precise de uma solução rápida e eficaz para a sua demanda. Nesse contexto, a justiça arbitral se apresenta como a mais consentânea com as exigências da vida moderna, em que o tempo ocupa lugar de destaque nas relações jurídicas entre as pessoas.

Da complexidade das relações sociais resultam riscos em todos os campos da atividade econômica, pelo que o contrato de seguro tem sido a melhor saída para o segurado garantir-se, ou a alguém por quem tenha interesse, de eventuais surpresas quanto a fatos que possam lhe causar danos pessoais ou materiais.

O contrato de seguro pode ser conectado à arbitragem, desde que ambos os contratantes se convençam ser essa a melhor alternativa, fora da justiça estatal.

 

  1. Natureza do contrato de seguro

 

Reza o art. 757 do Código Civil que, Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir o interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados. A regra  anterior (art. 1.432 do Cód. Civil/1916) falava em indenizar a parte do prejuízo resultante de riscos futuros, em vez de garantir interesse legítimo do segurado (art. 757 do Cód. Civil/2002). Considerou o legislador que, quando celebram as partes um contrato de seguro, essa operação representa, na verdade, a garantia de um interesse contra a ocorrência de um risco, mediante o pagamento antecipado de um prêmio.

Não me parece, porém, que a expressão interesse legítimo seja adequada para traduzir a situação jurídica do segurado em face do segurador, resultante do contrato de seguro, porquanto o interesse legítimo configura-se como um interesse individual intimamente ligado a um interesse público e protegido pelo ordenamento somente através da tutela jurídica deste último, de modo que os particulares participam de tais interesses coletivos não ut singuli, mas uti universi, e não têm nenhum meio para pedir [singularmente] a sua proteção e tutela (Zanobini).[2] No interesse legítimo, o objeto da tutela jurídica é uma situação jurídica traduzida num interesse público, de forma que, tutelando esse interesse, a norma jurídica protege, reflexamente, eventuais direitos subjetivos.  Essa, a razão pela qual a regra do art. 1.432 do Cód. Civil preferia falar na obrigação [do segurador] de indenizar o segurado do prejuízo resultante de riscos futuros, traduzindo mais o direito do segurado à indenização do que o seu interesse legítimo em obtê-la.

Registro, por oportuno, que o Código Civil disciplina duas modalidades de contrato de seguro: I) o seguro de dano, ou melhor, o seguro contra dano (arts. 778 a 788, Cód. Civil), e II) o seguro de pessoa (arts. 789 a 802, Cód. Civil).

 

  1. Seguro de dano e seguro de pessoa

 

No contrato de seguro contra dano, a garantia prometida pelo segurador não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena de perda da garantia (art. 778, Cód. Civil), podendo os riscos compreender todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa (art. 779, Cód. Civil). Já, no contrato de seguro de pessoa, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro (invalidez, morte, etc.), sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores (art. 789, Cód. Civil). Diversamente do Cód. Civil anterior, que aludia à coisa, no contrato contra dano, e à pessoa, no contrato de pessoa, o atual prefere aludir a interesse (arts. 778 e 789).

 

  1. Arbitragem e contrato de seguro

 

A arbitragem foi introduzida, no Brasil, pela Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, dispondo o seu art. 1º que As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, podendo, nos termos do seu art. 2º,  (…) ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

Os contratos de seguro contra dano e de pessoa são perfeitamente compatíveis com esse método convencional de resolução dos conflitos, pois toda e qualquer garantia pactuada pelas partes, nos moldes do Cód. Civil, enquadra-se na categoria dos direitos patrimoniais disponíveis, podendo ser submetida à decisão de árbitros, desde que tenham as partes firmado uma cláusula compromissória (art. 4º, Lei 9.307/96).

A atividade ligada ao contrato de seguro está sujeita ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), dado o seu vetor de relação de consumo, como se vê do disposto no seu art.  3º § 2º, que alude expressamente à atividade securitária, salvo as decorrentes das relações de trabalho. Quando tal não fosse, os segurados estariam inseridos no conceito de consumidor, em face do disposto no art. 29 do CDC, por expostos às práticas nele previstas.

O contrato de seguro insere-se no conceito de contrato de adesão (ou por adesão), pois o segurado se limita a aceitar em bloco as cláusulas previamente elaboradas pelo segurador, não dispondo da liberdade de discutir a extensão de cada uma de suas cláusulas. Daí, a cláusula compromissória  (art. 4º, caput) só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula.

 

5        Ação judicial e justiça estatal

 

O seguro contra dano e o seguro de pessoa são contratados pelo segurado com o propósito de se garantir, ou a terceira pessoa,  o recebimento de uma indenização quando venha a ocorrer o evento (sinistro) previsto na apólice de seguro, pelo que deveria a obrigação contraída pelo segurador ser por ele espontaneamente cumprida, no menor prazo possível.

No entanto, não é o que ocorre na prática, em que, ocorrido o sinistro, surge controvérsia entre as partes, normalmente provocadas pelo segurador, sobre o alcance dos direitos do segurado, o que o obriga a buscar as vias judiciais para obter a sua satisfação. Muitas vezes, encontra-se o segurado, em face do sinistro, em condições extremamente desfavoráveis (invalidez permanente, por exemplo), e, ainda assim, tem que percorrer a via-sacra que é a justiça estatal, na qual se entra, mas da qual nunca se sabe quando sai.

Por essa razão, a via (justiça) arbitral se apresenta como a opção mais favorável ao segurado, que, no momento de firmar o compromisso arbitral (art. 9º, Lei 9.307/96) pode autorizar o árbitro ou árbitros que julguem por eqüidade e estabelecer o prazo para a prolação da sentença arbitral (art. 11, II e III, Lei 9.307/96), além do que pode escolher um dos árbitros de sua confiança (art. art. 13, § 1º, Lei 9.307/96), o que jamais lhe seria permitido fora da arbitragem.

 

  1. Contrato de seguro e cláusula compromissória

 

Para estimular os segurados em potencial a celebrarem com elas contrato de seguro, podem as companhias seguradoras ofertar-lhes a opção pela arbitragem, esclarecendo-lhes as vantagens desse método de resolução dos conflitos, e, inclusive, assumindo, desde já, a responsabilidade pelo pagamento das despesas com a arbitragem e os honorários dos árbitros (art. 11, V e VI, Lei 9.307/96). Nesta oportunidade, devem esclarecer ao segurado que a sentença será proferida no prazo estipulado pelas partes, e, se nada convencionarem, o prazo para a sua apresentação (prolação) será de seis meses, contados da instituição da arbitragem (art. 23, Lei 9.307/96).

Se os segurados estiverem cientes das vantagens da arbitragem sobre a justiça estatal, na hipótese de eventual controvérsia com a seguradora, por certo preferirão negociar um contrato de seguro que lhes assegure essa via expedita de resolução de conflitos.

 

  1. Considerações finais

 

A morosidade da justiça estatal e o sufoco em que, quase sempre, se encontra o segurado, vítima de um sinistro coberto por um contrato de seguro, podem constituir-se no grande estímulo de acesso à arbitragem, desde que as companhias seguradoras lhe ofereçam essa oportunidade, inclusive de eleger árbitro integrante de câmara ou tribunal arbitral confiável.

Tudo o que venha a favorecer o segurado (e consumidor) é permitido na arbitragem, pelo que é ela a arma adequada para cooptá-lo, enquanto via alternativa para a resolução de eventual conflito com a seguradora num prazo compatível com as necessidades do segurado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1]  jedal@uol.com.br

[2]  ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. Milano: Giuffrè, 1936/1959, pp. 187 e 188.

 

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