Artigos Jurídicos

ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO

J. E. Carreira Alvim

 

ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO

 

J.E. CARREIRA ALVIM, professor de Direito Processual Civil da UFRJ; membro do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e do Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos (IPEJ-RJ); coordenador do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Iguaçu (UNIG)

 

Sumário: 1. Sistema arbitral. 2. Cláusula compromissória nos contratos de adesão. 3. Instituição judicial de arbitragem nos contratos de adesão. 4. Requisitos do compromisso arbitral. 5. Extinção do compromisso arbitral. 6. Considerações finais.

 

 

  1. Sistema arbitral

 

O sistema inaugurado pela Lei n. 9.307/96 rompe com as amarras da vetusta legislação, admitindo que as partes interessadas submetam seus litígios, relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º) ao juiz arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º). A cláusula compromissória é um antecedente que tem, de regra, no compromisso arbitral o seu conseqüente, o que não impede que, independentemente da cláusula, possam os interessados firmar o compromisso. A grande modificação trazida pela Lei de Arbitragem não reside propriamente na cláusula compromissória ou no compromisso arbitral, mas na diversa eficácia que lhes é reconhecida pelo novo sistema. A cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a determinado contrato (art. 4°, caput), devendo ser estipulada, por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira (art. 4°, § 1°). O compromisso arbitral é, por seu turno, a convenção, através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem, podendo ser judicial ou extrajudicial, sendo aquele celebrado por termo nos autos, e, este, por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público (art. 9°, §§ 1° e 2°).

 

 

  1. Cláusula compromissória nos contratos de adesão

 

A única restrição imposta pela nova lei, no campo dos direitos disponíveis, reside nos contratos de adesão, que, embora não sejam incompatíveis com a arbitragem, têm a  eficácia da cláusula compromissória condicionada à iniciativa do aderente na instituição da arbitragem, caso não tenha ele concordado, expressamente, com a sua instituição, em documento escrito, em anexo, ou em cláusula escrita em negrito com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula (art. 4°, § 2°).

 

O contrato de adesão é aquele livremente estipulado por uma das partes, ao qual a outra simplesmente adere, sem qualquer possibilidade de interferir na estipulação das suas cláusulas, podendo referir-se a qualquer modalidade de contrato (compra e venda, serviços concedidos, leasing etc.).

 

A exigência de estipulação “por escrito em documento anexo ou em negrito, com assinatura ou visto especialmente para essa cláusula” resulta do fato de que, na generalidade dos casos, a parte aderente nunca lê o contrato que assina, mesmo porque, se o lesse e discordasse de alguma de suas cláusulas não disporia do poder de modificá-la. Geralmente, são serviços concedidos ou produtos monopolizados ou prestado por um grupo tão reduzido de prestadores que a escolha dos consumidores fica muito limitado.

 

A garantia da facultatividade da cláusula compromissória que o 2º do art. 4º vem complementar é assegurada, nos contratos de adesão, pela previsão legal de que ela só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente com a sua instituição, e não pela sua pactuação por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Todos sabem que, quando uma das partes contratantes quer impor determinada cláusula à outra, as vedações legais não constituem obstáculo suficiente a esse desiderato. Supôs o legislador, com esse preceito, que o aderente assina o contrato sem ler, mas a verdade não é essa, senão que ele não dispõe do poder de barganha, ficando submetido ao poder potestativo do proponente. A redação do dispositivo em questão não é das mais felizes. A Expressão “se o aderente…concordar, expressamente, com a sua instituição” significa que a arbitragem, ao contrário do que aparenta dizer o preceito, pode ser instituída pela outra parte, caso em que a sua eficácia depende da concordância do aderente. Ora, se podem ser duas as condições de eficácia da cláusula – se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou  concordar, expressamente, com a sua instituição – o advérbio “só” está na frase como “Pilatos no Credo”, sem qualquer função sintática. Ademais, se a parte aderente, apesar de não ser sua a iniciativa da instituição da arbitragem, concordar, se convocada, em assinar o compromisso, estará satisfeita a condição legal, equivalendo essa atitude à concordância expressa de que fala a lei. Fica, no entanto, a indagação se o aderente pode, ou não, ser parte na demanda de instituição de arbitragem (art. 7º). A resposta deve ser afirmativa, como se vê a seguir.

 

 

  1. Instituição judicial de arbitragem nos contratos de adesão

 

O preceito contido no 2º do art. 4º atribui ao aderente uma dupla vantagem, no juízo arbitral: de tomar ele próprio a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição (evidentemente, quando a iniciativa for da parte contrária). Mas, de qualquer modo, ele firmou uma cláusula compromissória, tendo a outra parte o indiscutível direito, não só de convocá-lo, extrajudicialmente, para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral, como, também, de fazê-lo judicialmente nos termos do art. 7º.

 

A concordância expressa de que fala o 2º do art. 4º pode ser tanto extrajudicial (art. 6º) quanto judicial (art. 7º), bastando que o aderente consinta na instituição da arbitragem. Se não consentir, ou seja, se recusar a arbitragem, devem as partes ser remetidas às vias judiciais, não podendo o juiz suprir, judicialmente, a vontade do aderente sobre os termos do compromisso.

 

Cabe indagar, porém, se, não acudir o aderente à citação regular para a lavratura judicial do compromisso, pode o juiz decidir a respeito, nos termos do  3º do art. 7º da Lei de Arbitragem, sendo afirmativa a resposta.

 

Embora inexistam os efeitos legais da revelia no procedimento arbitral, fato é que o disposto no  2º do art. 4º não exime o aderente de acudir à citação – ônus que, de resto, é imposto a todo réu –, manifestando, de modo formal, a sua recusa na instituição da arbitragem; se não o fizer, apesar de regularmente citado, deve a sua ausência ser interpretada, no mínimo, como falta de interesse em opor-se à lavratura do compromisso.

 

O disposto no  6º do art. 7º aplica-se a qualquer cláusula compromissória, inclusive nos contratos de adesão, devendo os dois preceitos ( 2º do art. 4º e  6º do art. 7º) ser harmonizados da seguinte forma: tendo firmado cláusula compromissória, o aderente, se não concordar com a arbitragem, deve comparecer à audiência (art. 7º, caput), e contestar a demanda de instituição judicial de arbitragem, discordando dela (poder potestativo que nem precisa ser fundamentado); se não comparecer à audiência, cabe ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

 

A discordância com a arbitragem é, a um só tempo, um direito (potestativo) e uma vantagem do aderente, que não exercido no momento oportuno, ocasiona a sua renúncia, ou, no mínimo, a falta de interesse em opor-se à arbitragem.

 

Superada a fase de instituição de arbitragem, com a procedência do pedido (art. 7º, 7º), prosseguirá a arbitragem como se o aderente houvesse assentido ao compromisso.

 

Atentem, pois, os aderentes a essas conseqüências decorrentes da lei, nos contratos de adesão, porque não podem eles fazer tabula rasa da cláusula compromissória, quando instados a firmar o compromisso arbitral.

 

 

  1. Requisitos do compromisso arbitral

 

O compromisso arbitral está para o procedimento arbitral assim como a petição inicial está para o procedimento jurisdicional. Nele está consubstanciada a matéria objeto da arbitragem (art. 10, III) que nada mais é do que o litígio (ou controvérsia) submetido à decisão arbitral.

 

Daí exigir o compromisso arbitral, como peça inicial do procedimento, alguns requisitos obrigatórios, que não podem faltar sob pena de nulidade, tolerando também outros facultativos que estão na vontade das partes estabelecer.

 

Os requisitos obrigatórios do compromisso arbitral vêm expressos no art. 10, devendo dele constar (I) o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; (II) o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; (III) a matéria que será objeto da arbitragem; (IV) o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

 

A qualificação das partes é uma exigência de qualquer pedido para identificar os contendores, e a do árbitro ou árbitros presta-se à identificação dos encarregados da resolução da controvérsia. A matéria objeto da arbitragem objetiva delimitar o teor da controvérsia a ser decidida; e, o lugar em que será proferida a sentença arbitral visa identificar o foro do juízo competente para a sua eventual anulação, (bem como) a sua nacionalidade.

 

Além desses requisitos, outros podem ser convencionados, facultativamente, pelos compromitentes, aconsoante o art. 11 da Lei de Arbitragem: I) local (ou locais) onde se desenvolverá a arbitragem; II) autorização para que o árbitro ou árbitros julguem por eqüidade; III) o prazo para a apresentação da sentença; IV) a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionado pelas partes; V) a declaração pela responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; VI) a fixação dos honorários do árbitro ou dos árbitros.

 

 

  1. Extinção do compromisso arbitral

 

A lei não distingue a extinção do compromisso da extinção da própria arbitragem, tratando num mesmo dispositivo (art. 12) de ambas as hipóteses.

 

O compromisso arbitral se extingue nos casos previstos no art. 12: (I) escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto; (II) falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e (III) tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação da sentença arbitral.

 

A escusa é ato do próprio árbitro que antecede a aceitação, verdadeiro poder potestativo que nem precisa ser motivado; se ele tiver aceito a nomeação não poderá mais escusar-se, embora possa declarar-se suspeito até por motivo íntimo. Daí por que, falando a lei em escusa antes de aceitar a nomeação choveu no molhado, porque ela não pode ocorrer depois. A hipótese legal só incide se as partes não tiverem declarado expressamente não aceitar substituto.

 

O falecimento do árbitro ou a impossibilidade de dar o seu voto provoca a extinção da própria arbitragem e não mais só do compromisso, sendo necessário para que tal ocorra que as partes declarem também expressamente não aceitar substituto.

 

A terceira hipótese não é também extinção só do compromisso, alcançando a própria arbitragem, que igualmente se extingue. Ocorre quando se expira o prazo original para a prolação da sentença arbitral (art. 11, III). Aqui diz a lei que a extinção só ocorre se a parte interessada houver notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença (art. 12, III).

 

O preceito merece algum reparo, pois, se o compromisso é o ato de duas ou mais pessoas – sendo, por isso mesmo, um acordo – como pode, uma vez descumprido, por inobservância do prazo para a apresentação a sentença, apenas uma das partes (aquela a que a lei chama de interessada) conceder ao árbitro ou tribunal um prazo adicional para sentenciar?

 

Vê-se que nem se trata de dilação, ampliação ou prorrogação do prazo original – para o que, ainda assim, seria necessário um novo consenso das partes –, mas de um prazo adicional, porque, na dicção da lei, o primeiro expirou-se (“tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III”, diz o inciso III do art. 12 da Lei de Arbitragem).

 

A hipótese prevista no inciso III do art. 12 só deveria ser admitida caso a arbitragem se desenvolvesse com a contumácia (ausência) de um dos compromitentes, pois, desinteressando-se um deles pelo procedimento, teria o mesmo tratamento dispensado ao réu revel (art. 322 do CPC) no  processo judicial.

 

Ademais, sobre assunto idêntico – prorrogação de prazo para a apresentação da sentença arbitral – mas de forma diversa, dispõe o parágrafo único do art. 23, estatuindo que, não tendo a sentença sido proferida no prazo estipulado, as partes e os árbitros, de comum acordo, podem prorrogá-lo.

 

Afinal de contas, basta a notificação unilateral de uma das partes ao árbitro (art. 12, III), ou é indispensável o acordo das partes (art. 23, par. único), para que o prazo seja dilatado.

 

Penso que o disposto no inciso III do art. 12 deve soar como uma faculdade reconhecida à parte interessada, de notificar a outra parte da sua vontade de conceder ao árbitro um prazo adicional de dez dias para a prolação e apresentação da sentença, mas, nunca, como direito de fazê-lo, potestativamente, porque a tanto se opõe o parágrafo único do art. 23.

 

 

  1. Considerações finais

 

Estas anotações não têm outro propósito que o de divulgar as noções básicas sobre o sistema arbitral nos contratos de adesão, que tem na cláusula compromissória e no compromisso arbitral as suas molas mestras, dependendo delas o sucesso de uma boa arbitragem.

 

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